O TUMULO


Diariamente eu visitava o túmulo, não importa se estivesse frio ou calor, se chovendo, ou ventando, eu sempre estava lá. Chegava ao cair da noite e ficava horas e horas, no início pensei que os funcionários do cemitério iriam reprovar aquilo, mas simplesmente me ignoravam e eu achava bem melhor assim. Afinal o que me trazia ali era uma dor profunda e uma saudade enorme. Saudade dela, a mulher de minha vida. Toda às vezes eu me lembrava dela com amor e carinho, saudades doidas que me traziam lagrimas nos olhos, embaçavam minhas vistas e faziam de mim uma pessoa muito infeliz.
Sempre soube da continuidade da vida, no espírito eterno, sempre tive ciência que a vida não termina, mas tudo isso virava retórica diante da realidade: ela não estava mais ao meu lado. Como um filme eu ali diante do túmulo relembrava tudo: desde a primeira vez que a vi, linda cheia de luz, e sem ao menos notar minha existência. Depois nossos primeiros contatos, o dia em que finalmente pude sair pela primeira vez, sentia ainda o cheiro dela naquele dia, a maciez de suas mãos enlaçadas as minhas. A relutância dela em abrir seu coração para mim, as noites e noites em claro desejando o amor daquela meiga filha de Oxum. A alegria que sentia por coisas pequenas como, por exemplo, falar ao telefone mesmo que coisas banais. Ainda dói no peito. Lembrar que mesmo acreditando ser ela a mulher de minha vida teve momentos que julguei ser de fato inacessível seu coração. Mas também me enche de alegria relembrar quando ela finalmente me aceitou.
Nosso primeiro beijo, a alegria de vermos o mundo juntos, de pautarmos nossa vida pela pratica da caridade. Como legitima filha de Oxum ela amava crianças e juntos desenvolvemos um intenso trabalho social de apoio aos pequeninos. E como era doce seu olhar e seu sorriso, quando estava na presença deles. Como ela se iluminava quando diante da presença dos Orixás Sagrados. Numa gira de Umbanda ela se transformava e o amor de Oxum chegava até nós pela presença dela. Lembro-me que mesmo sendo mais velho que ela na religião, eu sempre chorava ao ver chegar linda de branco, e receber suas entidades. A primeira vez que isso aconteceu foi marcante, mas as tantas outras vezes também não foram menos emocionantes. Vivemos muitos anos juntos. Se fomos felizes?  Sim sem dúvida fomos um casal que transmitia a felicidade onde quer que estivéssemos. Então a vida seguiu seu curso e a morte acabou nos separando. Inevitável eu vir aqui como vocês podem observar. Sinto sua presença, escuto até mesmo suas preces, ou não sei se é ela que escuta a minha.
Hoje por mais que tente não estou conseguindo rezar, mas as lagrimas essas são inevitáveis, são de alegria porque tivemos a chance de sermos felizes e de profunda tristeza porque não aceito nossa separação. Noto que estou sendo observado, me viro e deparo com uma figura insólita: Um homem todo de preto, segurando uma bengala e com um chapéu também negro na cabeça. Sinto um arrepio e percebo ser ele um Exu. Sorrindo ele me fala:
_ te observo há muito tempo, não acha que chegou a hora de parar de vir aqui?
_ impossível! E minha saudade? Como aplacar essa distância?
_ olha você sempre foi um homem de fé deveria saber que as coisas acontecem. Um dia vocês vão se ver de novo, isso que você faz vindo aqui só piora as coisas ela também sofre e de nada adianta. Lembre-se dos momentos bons vividos, foram muito felizes, certo? Praticaram caridade juntos, então agora é ter paciência, pois tudo tem sua hora e seu momento. Não se lembra como foi dolorosa a conquista, mas ao mesmo tempo como foi gratificante ter conseguido? Então homem caminhe faz sua parte nos te ajudaremos. Senti que ele falava a verdade não tive dúvidas e mesmo doendo resolvi que seguiria seus conselhos. Exu sorriu pra mim, e tinha amizade naquele olhar. Apontou-me a porta do cemitério e mesmo sendo noite estava bastante iluminada, percebi que queria que eu fosse para lá. E assim fiz não sem antes olhar para meu túmulo pela última vez.
A luz me envolveu a segui adiante para continuar minha jornada, mas estava plenamente ciente que um dia reencontraria minha amada.
Obrigado Exu Larioieeee

Autor: Cássio Ribeiro

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